quarta-feira, 11 de novembro de 2015

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  No dia 26 de Agosto, que foi quando cheguei a Londres, não senti qualquer tipo de mudança. Estava a chover e não tinha comido nada durante horas. A primeira refeição que tive foi pãezinhos de leite com pepitas de chocolate quase às seis da tarde. Uma semana passou e ainda assim senti o mesmo: estou de férias. O sentimento prolongou-se durante muito tempo. Já eu tinha começado a universidade e já tinha começado a trabalhar, provavelmente já tinha recebido o meu primeiro ordenado, que nem foi muito, visto que eram só de 4 dias, e ainda me sentia de férias. Ainda estava a aproveitar todos os minutos do meu dia. Mesmo quando estava a dormir, estava a dormir que nem um bebé. Se alguém, para ser sincera a única pessoa que faria isto seria Leonor, me ligassem ou mandassem mensagem a perguntar se queria fazer algo, a minha resposta seria sempre "Sim". Mesmo que isso significasse gastar dinheiro, aguentar o frio, chegar a casa às sete da manhã. Eu estava sempre pronta para ter uma aventura, ainda agora estou, simplesmente pondero durante mais tempo no que acontece no dia a seguir. Vida de adulta com responsabilidades tem disso. Lembro-me do dia em que eu e a Leonor fomos, ou deva dizer, planeámos ir à festa do Afonso. Antes de mais, devo avisar que a Leonor é conhecida por chegar atrasada a todo o lado, pelo que levei o meu tempo a chegar lá, o que é completamente mentira visto que não consigo chegar atrasada por mais que tente, só acontece acidentalmente em raras ocasiões. Ainda tinha passado umas semanas desde que cheguei a Londres, pelo que ainda não tinha um número inglês ou um número que funcionasse no Reino Unido. Isto complicava muito a minha vida pelo que não conseguia comunicar com ninguém, especialmente durante a noite em Shoreditch, completamente sozinha sem um exacto ponto de encontro. "Encontrámo-nos entre o Pret A Manger e o Tesco". Foi depois de meia hora à espera, em frente ao Tesco, e outros pontos entre os dois locais, quando finalmente consegui apanhar wifi, a Leonor apareceu. Foi uma sorte, eu estava prestes a começar a descer a rua até à estação de Liverpool Street. Foi um grande alívio para ambas, visto que tínhamos noção de que se não nos encontrássemos, não teríamos maneira de saber onde a outra estava. Partimos assim para o pub onde o Afonso ia passar umas músicas. Quando chegámos lá, reencontrámos um amigo de outros tempos com que não falávamos há muito mas que se tinha mudado para Londres há um ano. A vida corria-lhe bem, mas não gostava muito do trabalho. Pagavam-lhe pouco para o trabalho que era, mas acredito que toda a gente sente isso quando começa a trabalhar e é raro encontrar um trabalho que seja fácil, agradável e pague o suficiente para o que é. Decidimos esperar pelo resto das pessoas com que nos íamos encontrar antes de entrarmos. A verdade é que elas demoraram muitos e nós decidimos ir comer qualquer coisa entretanto. Encontrámos uma hamburgueria barata. Os hambúrgueres não eram nada de especial mas as batatas eram deliciosas. Quando voltámos ao pub, faltavam 5 minutos para fechar e o resto do grupo já tinha chegado. Quando o Afonso saiu, decidimos todos ir para uma discoteca hetero porque a entrada era grátis. Para ser sincera, senti-me um pouco deslocada, visto que, apesar de muitos amigos e conhecidos meus terem tendências homossexuais, não são tão extravagantes como os amigos do Afonso. Todo este ambiente era diferente do que estava habituada e nunca me senti tão hetero como naquela noite.
A música era horrível e visto que eu não bebo, não havia assim tanta coisa para se fazer naquele lugar. Tive um momento muito estranho com a Inês, quando ela me pediu para ir à casa de banho com ela, mas rapidamente ela se apercebeu do quão constrangedor todo o acontecimento tinha sido que nunca mais voltou a acontecer algo do género.
Depois de algumas horas voltámos para a casa da Cláudia e do resto do grupo. Nada de especial aconteceu. Para ser sincera, não me senti muito à vontade com eles, como quase nunca me sinto. São pessoas com que não sou compatível. Apesar de o Miguel parecer um amor, nem ele estava a aproveitar tanto, pelo menos ele tinha uma razão válida, o Afonso era o seu ex-namorado, e eles eram tão semelhantes fisicamente. Por volta das cinco da manhã decidimos voltar para casa, mas só chegámos às sete visto que passámos pelo Tesco para comprar comida.
Ao escrever isto apercebo-me que ando a confundir duas noites distintas. Esta foi a aborrecida, a melhor foi quando chegámos às cinco da manhã.
Os eventos foram mais ou menos parecidos. Casa da Cláudia, que foi uma querida e deu-me uma maçã para comer, sair um pouco à procura de um pub e depois voltar para casa da Cláudia.
Mas o melhor veio a seguir, quando eu e a Leonor estávamos a voltar para casa. A verdade é que às cinco da manhã é difícil encontrar transportes que te levem directamente ao teu destino. Pelo que tivemos de andar pelo menos uma hora até à estação de Blackfriars, o que parecia ser muito mais perto do que era, e se calhar era, mas nós perdemo-nos no caminho. Ainda bem que o fizemos, pelo que tivemos tempo de falar sobre tudo. Sobre como a Leonor aproveitou, ou melhor dizendo, não aproveitou o tempo que esteve em Londres o ano passado e como agora tem aproveitado mais, mesmo que só tivesse chegado. A nossa amizade também foi um tópico de conversa e ambas concordámos que temos um lugar especial uma para a outra. Tivemos a oportunidade de admirar a cidade durante a noite, ao passar perto do rio e pela ponte. O rapaz do Subway que iria trabalhar até às cinco da manhã e só bebia café visto que se bebesse outra coisa estaria sempre a ir ao quarto de banho. Quando chegámos a Blackfriars, tivemos de mudar de plataforma três vezes mas conseguimos apanhar o comboio. Foi uma noite que me aqueceu o coração e reforçou a nossa ligação. 
Quem tem uma Leonor na sua vida, tem tudo.
   Eu continuei a trabalhar e a ir para universidade, de vez em quando tendo estas pequenas aventuras, mas o sentimento de que já não estou de férias e as saudades de Portugal vieram em meados de Outubro. Veio tudo de uma vez. Simplesmente acordei um dia e senti-o. De quem tive mais saudades foi da minha mãe e do Delfim. Liguei-lhes assim que tive oportunidade e disse-lhes "Tenho saudades". Claro que eles tinham de mandar piadinhas e de ser uns cromos como são sempre, mas eu sei que também eles estão com vontade de me ver pelo menos por um curto espaço de tempo. É verdade o que dizem, que é quando as pessoas se afastam que as saudades aparecem, que nós nos apercebemos do que tínhamos e dá-mos-lhe valor. Eu sempre dei valor, e a razão pela qual só senti saudades tão tarde, foi porque essas coisas também me sufocavam. Ainda agora acho que sufocariam, eu gosto bastante de estar cá, sozinha. Simplesmente sinto falta do carinho e das lições de vida que me eram oferecidas todos os dias. A nossa relação é muito mais íntima e forte agora, o que me faz muito feliz, e corrobora a minha decisão de sair de casa ainda mais. Para uma relação saudável, por vezes o que é preciso é de um pouco de espaço e liberdade. 
  Já não me sinto de férias mas sinto liberdade, com responsabilidades, mas liberdade de qualquer das maneiras. Londres é a minha casa e a Póvoa de Varzim é um porto de abrigo quando vou de férias.

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