quarta-feira, 11 de novembro de 2015

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   Numa tarde de Novembro, depois de ter acabado de ler outro livro do Murakami e a ouvir Le mal du Pays, finalmente, consegui criar um espaço para expressar as minhas experiências como um ser humano devia expressar. Não tendo conexões humanas suficientes ou simplesmente falta de confiança nos outros, a escrita fora sempre um abrigo. Embora tivesse deixado esse abrigo por não conseguir realmente viver, ou noutras palavras, viver ao máximo, sentir ao máximo durante uns tempos, e os pensamentos que tinha eram tão vagos mas ao mesmo tão cheios, repetitivos e não podiam fazer parte do papel, apenas da minha mente. Tais pensamentos nunca deviam deixar o seu lugar, a mente.
   Quando vivi na Póvoa de Varzim, eram raros os momentos de inspiração, quase nada parecia ser bom o suficiente ou excitante o suficiente para ser traduzido em palavras. Tudo era aborrecido. Talvez seja por isso que os dias que passo aqui não sejam aborrecidos. Só dias como hoje, que embora sejam necessários, sejam menos vivos. Aqui tudo tem vida. Aqui tudo faz-te sentir a vida.
Uma noite, quando estava a voltar da universidade, juro com tudo que me é mais sagrado que vi um OVNI, ou pelo menos sinais da presença de um. Eram três luzes azuis no céu, que ao primeiro olhar pareciam luzes de um avião, mas quanto mais olhava, mais tinha a certeza que era algo diferente. As luzes simplesmente moviam-se aleatoriamente em movimentos circulares sem qualquer destino, como estivessem a explorar. Sorri por saber que existe qualquer coisa para além daquelas nuvens que tapavam as estrelas à noite. Sorri porque acreditei, e acreditar em algo preenche sempre um pedaço do coração. Ninguém realmente acreditou em mim quando lhes contei, como é óbvio. Provavelmente se me tivessem dito a mim "Vi três luzes azuis no céu, são extraterrestres" eu também não acreditaria. Mas a verdade é que no momento eu senti a presença deles, tal como eles sentiram a minha. Se um dia eu desaparecer, foram eles que me levaram. Eles sabem onde eu moro.
   Há sempre qualquer coisa que acontece em Londres que não acontece em outro lado. Há um sentimento, uma sensação, um extra je-ne-sais-quoi que Londres possui que mais lugar nenhum possui. E não o digo de maneira a negar todos os outros je-ne-sais-quoi que os outros lugares possuem, cada um tem o seu, o de Londres enche-me o coração e aquece-me como nenhum lugar ou nenhum outro ser humano aqueceu. Aqui sinto-me em casa.
  Hoje a minha colega de casa chorou, eu ouvi, mas eu não perguntei o que se passa, o que é que estava de errado. Não o fiz por não querer saber, talvez um pouco, mas porque às vezes as pessoas não sabem o porquê de se sentirem como se sentem. Por vezes o melhor é deixar estar. Outra razão, estou demasiado cansada de tentar ajudar quem não quer ajuda. Há pessoas que simplesmente não querem melhorar, estarem bem ou até encontrar felicidade. Alguns estão tão em baixo, na miséria e na merda, como os acolhedores Portugueses dizem, que não importa o que fizeres, eles não vão ficar melhor. Não há nada que possas fazer, por isso porquê gastar a energia? No fim do dia, de um modo ou de outro, não te vais sentir melhor. Ser um adulto é exaustivo e complicado, todos os dias queres a tua mãe de volta para tratar da tua vida, mas a verdade é que ela não está lá. Ela não tem pode vir abraçar e dizer que vai tudo correr bem e ao mesmo tempo que te sentes assim, provavelmente os teus amigos também se sentem assim. Afinal, todos nós somos adultos, uns mais que os outros, e finalmente nos apercebemos que nós próprios somos a nossa prioridade número um. Às vezes temos compaixão e tentámos ajudar o próximo mas acaba por ser difícil quando ajudar o próximo torna-se um incómodo e uma dor de cabeça. Voltando à minha colega de quarto, ela é essa dor de cabeça. Ela é essa pessoa que gosta de ser tóxica, negativa e está sempre a pronunciar as palavras "quero morrer". Há dias que eu penso que esse dia chegou, o dia em que fico em casa à espera que ela volte mas ela nunca passa pela porta. Há dias que sinto no meu coração que nunca mais a vou ver com vida, apesar de ela já não aparentar tem muita vida em si. Pelos vistos ela está a pensar em desistir da universidade, ela não mo disse, mas toda a gente o suspeita, visto que ela anda a perguntar o que aconteceria ao empréstimo que ela pediu se desistisse. Na minha opinião, ela devia fazê-lo. Talvez sou egoísta e cruel, mas ninguém consegue aguentar mais vê-la neste estado. Toda a gente quer protegê-la mas nós também nos queremos proteger a nós próprios. É difícil conviver com alguém que não quer viver. Podemos não nos aperceber, mas essa ideia de tristeza consegue infiltrar-se na nossa cabeça bem mais facilmente do que pensamos. A minha sorte é aceitar a morte de braços abertos. Quando ela chegar, chegou. Não desejo morrer agora, mas não temo o dia que acontecer. Tal como o estimado namorado da minha mãe escreveu no meu postal de natal "Respiro por isso existo com a única certeza, vou deixar de existir".

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